Imersas na maior área contínua da Mata Atlântica brasileira, 92 famílias lutam para preservar os recursos naturais, a cultura e a organização socioeconômica tradicionais.
No Vale do Ribeira, no Estado de São Paulo, 267 km ao sul da capital, está instalado desde o início do século XVI o quilombo de Ivaporunduva. Fica ao longo da estrada que liga os municípios de Eldorado e Iporanga, às margens do Rio Ribeira do Iguape. A comunidade local é formada por quase 500 quilombolas que apostam no turismo e no artesanato, além da produção e comercialização da banana orgânica, como as principais fontes de renda.
Entre os pouco mais de 30 quilombos que se espalham pelo vale, Ivaporunduva é um dos mais visitados, já que possui o mais consistente programa de turismo ecológico para receber visitas de turistas, grupos escolares e pesquisadores. O cultivo tradicional de roça garante a sobrevivência da comunidade com a produção orgânica de arroz, mandioca, milho, feijão, verduras, legumes e pequenas propriedades pecuárias.
“As refeições da nossa comunidade são 99% orgânicas. Não se pode dizer que é 100% porque compramos alguns produtos, como óleo e sal, e não podemos garantir sua procedência”, explica Benedito Alves, coordenador da Associação dos Moradores do Quilombo de Ivaporunduva. Aos 54 anos, Alves se gaba de nunca ter sofrido de uma doença grave, uma saúde mantida à base de alimentos naturais. “Para casos pequenos como dor de cabeça, temos nossa farmácia natural que cresce por todo o lado”, completa sorridente.
Todos produzem, todos ganham
A economia do quilombo está organizada sob o sistema de cooperativa, da qual todas as famílias são associadas. Os produtos são comercializados em diversas regiões do Estado. “Estabelecemos um sistema de cotas por família. Desse modo, garantimos que todas as famílias tenham rendimentos da produção da banana orgânica, do artesanato local e das receitas do turismo”, explica o gestor ambiental Paulo Pupo, quilombola local e coordenador de turismo.
“É claro que queremos que nossa produção seja mais eficiente, mas só vamos apostar em tecnologias limpas para preservar a relação de respeito que nosso povo tem com os recursos naturais como a terra, água e a mata”, garante Benedito Alves. “Não vamos fazer nada que vai agredir essa riqueza que temos aqui.”
Cada uma das atividades é gerida por uma coordenadoria que se encarrega das certificações (banana orgânica), licenciamento e patentes (artesanato), formação e gerenciamento de técnicos locais que trabalham como guias turísticos, além dos contatos e o fornecimento da mercadoria em várias cidades.
Pupo acredita que tem crescido a consciência dos consumidores brasileiros em relação à oportunidade que cada um tem de contribuir para a sustentabilidade do planeta. “As pessoas que compram nosso artesanato, por exemplo, se emocionam ao saber do trabalho social que está por trás dele e sempre recomendam os produtos a mais pessoas”, revela.
Infra-estrutura avança
As raras residências se espalham em um raio de aproximadamente cinco quilômetros quilombo adentro e estão conectadas por estreitas estradas de terra abertas entre a mata verde. Elas são em sua maioria construídas de pau-a-pique, apesar do número considerável de casas de alvenaria que começam a surgir. O sistema de esgotos ainda é precário, mesmo sendo uma das prioridades de melhoria da atual gestão, segundo Alves.
Às quartas-feiras, um caminhão da prefeitura recolhe o lixo reciclável, cuja quantidade tende a aumentar devido ao emergente comércio local de alimentos processados. Uma ponte sobre o Rio Ribeira do Iguape está em fase de construção. Até 2012, ela deve substituir um pequeno barco e uma balsa que fazem a travessia de pedestres e de pessoas motorizadas. Os moradores acreditam que, com a facilidade de acesso, vai aumentar o número de visitantes à comunidade.
Educação, tecnologia e inclusão digital.
Os investimentos da prefeitura local e as parcerias com diversas entidades renderam uma escola de ensino fundamental, um posto de saúde local e a instalação de um telecentro comunitário com computadores ligados à internet, permitindo a inclusão digital da comunidade. Hoje, a cada fim de tarde, os jovens se dividem entre assistir televisão, acessar a internet ou participar das centenárias rodas de histórias contadas na praça central em volta da fogueira.
“A diversidade que temos hoje não são uma ameaça à nossa cultura, até porque boa parte de nós já morou em cidade grande por muito tempo, mas quase todos retornaram. Nós não somos contra as tecnologias e cada um é livre para fazer o que quiser”, defende o quilombola Laudo Furquim, que hoje trabalha na coordenadoria de turismo depois de uma experiência de seis meses no ramo da construção na cidade de São Paulo.
Benedito Alves reforça a necessidade de parcerias e investimento em novas tecnologias, desde que elas ajudem no desenvolvimento local. Segundo Alves, Ivaporunduva tem atualmente 16 jovens que foram beneficiados com bolsas de estudo e freqüentam o ensino superior à distância, além de outros quatro que já possuem diplomas e hoje trabalham “na comunidade e pela comunidade”.
“Esses jovens sabem que essa região é cobiçada pelas grandes indústrias. Mas sabem também que seus pais e avós lutaram bravamente para manter viva a história e a cultura do nosso povo. Por isso, em vez de tentar proibir, estamos certos de que a melhor opção é conscientizar essa geração para a necessidade de usarem o conhecimento adquirido no desenvolvimento e preservação da cultura quilombola”, alerta Alves. “E eles só podem fazer isso permanecendo aqui”.
O consumidor e as populações tradicionais
Veja algumas formas pelas quais o consumidor pode contribuir com a sobrevivência das comunidades tradicionais, como o quilombo de Ivaporunduva:
Uma forma direta de apoiar as comunidades tradicionais é comprando seus produtos. Muitas lojas em grandes centros disponibilizam produtos feitos de forma artesanal por essas comunidades ou por grupos de artesãos;
Veja os sites de três associações que trabalham com esses produtos:
Associação Ponto Solidário (http://www.pontosolidario.org.br/),
Associação Mundaréu (http://www.mundareu.org.br/)
e Projeto Terra (http://www.projetoterra.com.br/) ;
Outra forma de colaborar é visitar as comunidades, adquirindo produtos cultivados, produzidos ou vendidos lá;
Ao visitar esses locais, é importante respeitar o patrimônio artístico, arqueológico, ambiental e cultural.
(Envolverde/Instituto Akatu)
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